Bia Moraes lança “Histórias de Gente Errada”
A jornalista curitibana Bia Moraes estreia no mundo dos contos com o livro “Histórias de Gente Errada”, resultado de sua incansável curiosidade sobre as pessoas e seus estranhos caminhos. A sessão de autógrafos será no dia 18, às 18h30, na Livraria Itiban, em Curitiba.
Os 44 contos reunidos em seu livro de estréia pela Kotter Editorial habitam o universo do surreal e do sobrenatural. “É como eu vejo as pessoas. Além disso, eu mesma sou uma pessoa oblíqua. Torta, esquisita, nunca em linha reta”, diz Bia, que aprendeu a esgrimir textos em reportagens, inclusive na crônica policial, e em perfis – construídos a partir de uma enorme capacidade de arrancar histórias inesperadas dos entrevistados.
Diante das limitações físicas trazidas pelo AVC, deixou o jornalismo diário para revelar a escritora que sempre esteve presente. Enquanto narrava sua experiência pós-AVC nas redes sociais, passou a trabalhar contos provocantes.
“Achar personagens fascinantes, daqueles que poucos jornalistas acham, era o mínimo que ela fazia. Soube interpretar como ninguém a realidade, seja de dentro de uma delegacia ou de uma butique de madame”, relembra Guto Barra, diretor de cinema e documentarista, que a conheceu em 1988.
“Dava para ver que dentro daquela mente adoravelmente perturbada tinha muito mais do que talento jornalístico: Bia é uma contadora de histórias daquelas que você lê e diz: que tipo de pessoa pensa numa coisa dessas?”, acrescenta, dando pistas sobre a natureza de “Histórias de Gente Errada”, que passa longe de qualquer restrição politicamente correta.
Bia pode estar contando histórias bizarras, mas os contos surpreendem com uma intensa conexão com o real: cada relato é um mergulho em um roteiro sombrio, que pode estar se desenrolando no apartamento vizinho agora mesmo. “Sob a influência do realismo fantástico de Lygia Fagundes Telles e do hiper-realismo de Dalton Trevisan, Bia encontra sua voz ao mergulhar na psicologia dos personagens, nas suas generalidades e singularidades ao mesmo tempo, concentrando-se no que é essencial à forma através do discurso cotidiano, captando o que é dito e no não dito, ora idealizando um final feliz, ora a constatação da maldade humana”, diz Claudecir de Oliveira Rocha, seu editor, na sinopse do livro.
O texto de Bia é resultado de sua vida cosmopolita, com experiências de trabalho e residência em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova York. Mas também carrega o traço das rotinas de Curitiba e do interior de Santa Catarina, onde sua vida se divide atualmente, devorando livros, escrevendo em alta rotação e administrando fisioterapias diversas.
BIO
Beatriz Helena G Moraes tem 56 anos, é casada, tem quatro filhos. Com o apoio decisivo da família, sobreviveu a um AVC, inventando um novo jeito de viver. Curitibana, exerceu o jornalismo por mais de 30 anos, atuando em todas as áreas, menos no jornalismo esportivo. Foi repórter, editora, pauteira; fez entrevistas, reportagens especiais, perfis e colunas para veículos regionais e nacionais, digitais e impressos, e revistas. Editou revistas. Foi pesquisadora e entrevistadora no longa Beyond Ipanema, documentário rodado em SP, NY e RJ e dirigido por Guto Barra, com quem também dividiu o roteiro do longa “Jorge”. Também assina a edição do documentário Congada da Lapa, rodado na Lapa, PR, pela produtora LazAudiovisual. Atuou como assessora de imprensa para teatro, cinema, artes plásticas e literatura, entre outras pautas. Recentemente, fez oficinas de escrita de contos na Biblioteca Pública do Paraná com Rafael Ginane Bezerra; em A Escrevedeira, com Itamar Vieira e com João Anzanello Carrascosa; e na Fundação Cultural de Curitiba, com Luiz Andrioli.
Atualmente é colunista do jornal Plural, onde assina Ordem CaÓtica, sobre literatura.
SERVIÇO
Lançamento de “Histórias de Gente Errada”
Livro de contos de Bia Moraes
Em 18 de novembro, às 18h30
Livraria Itiban, Silva Jardim 845, Curitiba-PR
À venda em https://kotter.com.br/loja/historias-de-gente-errada-bia-moraes/
Um conto de Bia
BEIJO MOLHADO
Vidro moído. Bem moidinho.
(O lugar não é o mesmo. O tempo também não. Quer dizer. O clima. Onde ela estava, brasas. Onde esta está, friozaço de congelar os ossos).
Dentes são ossos. Aparentes.
Ela prepara a comida quente com vidro, um pouco só, moído. Oferece. Ele mastiga com os dentes.
À noite, ele a beija com língua e dentes, adormece, embebido por álcool, ela não acende o isqueiro. Faz um puta de um calor. Acordada, ela mói um pouco mais de vidro bem moidinho.
Raiva, ódio mortal. Disfarçou sempre. Doze anos. Doze anos querendo matar. Assassina. Isso ela não é.
Ainda. Vai matar. Vai.
Manhã cedo, se arrepende, joga no lixo o vidro, o álcool na pia. Dormindo, ele parece um anjo, meu bem, meu amor, ela o beija com a boca molhada de café, leite, açúcar, mel. Não acorda.
Acorda meu amor.
Desperto, ele acredita no amor, aceita o beijo molhado, toma café com leite e açúcar, e come pão com manteiga e mel.
Fotos: Divulgação.